Observando a questão da aceitação da psicografia como prova no Tribunal de Júri, recordo do filme "O exorcismo de Emily Rose" . O filme é de terror ou suspense, mas o caso de exorcismo e o julgamento descritos no filme são verossímeis, inspirados em fatos reais, considero-o um filme de Tribunal, apesar de toda a alegoria que fazem. O filme conta a história de um padre acusado de homicídio culposo que, por acreditar que uma garota estava possuída pelo demônio, recomenda a rejeição de auxílio médico e passa a praticar uma série de rituais de exorcismo, que culminam com a morte da garota. De fato, muitos acreditavam que a garota estava possuída, inclusive a Igreja católica reconheceu a possessão demoníaca da garota. Entretanto, a promotoria alegava que o padre havia sido negligente, que a menina não havia sido possuída pelo demônio e que ela sofria de epilepsia, alucinações, esquizofrenia, psicose etc.
Ambos os casos suscitam a contraposição entre Fé e Ciência, mais precisamente o espiritismo versus as leis da física, e de outro lado o catolicismo versus a medicina. E no meio dos litígios encontra-se o Judiciário, o tribunal de júri. E no tribunal do júri encontramos cidadãos de notória idoneidade, representantes da sociedade, não são necessariamente médicos, ou espíritas, católicos ou operadores do direito. Mas quando o cidadão comum participa do tribunal do júri, ele passa a agir como um auxiliar da justiça, exercendo um papel de "operador do direito", ele julga, decide. No entanto, para o Tribunal do Júri não importa se a verdade está na fé ou na ciência, importa a inclinação do júri (cidadão comum, representante da sociedade) para um lado, ou para o outro.
Particularmente, como cidadão comum acho muito difícil decidir entre fé e ciência, mas, como operador do direito, concebo como inaceitável a legitimação de psicografias, exorcismos ou possessões demoníacas no processo judicial. Não apenas pelo simples fato da gritante contradição e inconstitucionalidade perante o Estado laico, mas pelo simples fato de haver valoração moral ou religiosa, valoração de fé. Como poderemos aceitar algo que se coloca como fé, algo que não podemos dizer se é verdadeiro ou falso? Deveremos aceitar a prova através do princípio do in dubio pro reo? Por exemplo: não sabemos se a carta psicografada é autêntica ou não, ela é permitida no Brasil porque é uma liberdade de crença constitucional, a psicografia é baseada na fé, mas o Estado não pode garantir a autenticidade, então, in dubio reus est absolvendus, na dúvida, inocentamos o réu. Outro exemplo: no caso do exorcismo, não sabemos se houve ou não possessão demoníaca, já que a possessão é baseada na fé, então, o padre não pode ser condenado por homicídio devido ao in dubio reus est absolvendus.
A fé está atrelada a juízos de bem e de mal, juízos morais, juízos religiosos. Considero inaceitável e inconstitucional a utilização de princípios religiosos e demais valorações de fé no processo judicial, salvo quando a própria constituição determinar a aceitação. Portanto, como operadores do direito, filósofos ou cientistas, devemos nos colocar muito além do bem e do mal, muito acima de juízos morais ou religiosos. A aceitação jurídica de preceitos de determinada doutrina religiosa pode implicar na negação de preceitos de uma outra doutrina religiosa, o que é incoerente com o Estado Laico.
Psicografias ou possessões demoníacas são fatos morais, religiosos, são fatos de fé. E, além da inconstitucionalidade, o juízo religioso deve ser excluído do processo judicial por acreditar em realidades que não existem. Acertado parece o entendimento do filósofo Friedrich Nietzsche, em seu Crepúsculo dos Ídolos, que diz: "o juízo religioso pertence a um grau de ignorância em que a 'noção da realidade', a distinção entre o 'real' e o 'imaginário' não existem ainda, de modo que em semelhante grau a palavra 'verdade' só serve para designar coisas que hoje chamamos 'imaginação'".
Mas não questiono a liberdade de crença religiosa, a qual respeito demasiadamente*.