11 de fevereiro de 2007

Da maioridade penal: redução necessária ou não?

Ab initio, calha explicitar o que dispõe a Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de 1984 acerca da inimputabilidade penal ao menor de dezoito anos, in verbis:

"Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, e naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária."

É interessante destacar alguns pontos da Exposição de motivos:

a) critérios de Política Criminal, menor incompleto e naturalmente anti-social: cerca de 71% das legislações no mundo estabelecem um critério de 18 anos para a maioridade penal. A idade mínima de 18 anos para a responsabilidade criminal prevista no art. 27 do Código Penal, também está prevista em posterior legislação especial, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/90), a qual foi estabelecida conforme orientação da ONU. Faz-se mister destacar ainda que a determinação está insculpida no art. 228 da CF/88, que diz: "São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial."

Assim, a legislação penal adotou o critério puramente biológico que considera tão-somente a idade do agente, independente de sua capacidade psíquica, presumindo que o menor de 18 anos é ainda incompleto, naturalmente anti-social, em estágio de socialização e ainda não plenamente instruído.

Não obstante, há de se questionar se o menor de 18 anos da sociedade hodierna possui a mesma ingenuidade, desenvolvimento mental e discernimento daquele menor da década de 80 e início da década de 90. A resposta é indubitavelmente negativa. As crianças e adolescentes dos tempos atuais amadurecem e tornam-se capazes de entender as conseqüências dos seus atos muito mais rapidamente do que aquelas da época em que foi fixada tal maioridade.

É preciso destacar-se os diversos avanços da sociedade no campo tecno-científico, social e econômico, bem como o dinâmico e fácil acesso à informação nos tempos atuais, os avanços da internet, dos equipamentos eletrônicos, a evolução dos canais de comunicação (telefone celular, internet, rádio, tv, revistas etc), e ainda os apelos do marketing que estimulam o desenvolvimento dos menores. Ressalte-se ainda que, com o advento do novo Código Civil de 2002, o menor de 16 anos já é tido como relativamente capaz, com poderes para trabalhar e, inclusive, escolher seus governantes.

Entretanto, em que pesem os doutos posicionamentos em contrário, embora irrefutavelmente o menor de 18 anos nos tempos atuais possua maior capacidade de discernimento e maior desenvolvimento mental do que o menor do início da década de 90, considero que até os 18 anos o menor ainda se encontra em fase de formação, de ajuste social, não se encontra plenamente socializado ou educado para a vida em sociedade, dependendo muitas vezes dos cuidados da família. Além disso, é preciso ressaltar as dimensões e os contrastes do nosso país, onde o discernimento e o desenvolvimento de um menor residente no Acre possivelmente não é o mesmo desenvolvimento e discernimento de um menor residente no Rio de Janeiro, de modo que se torna difícil fixar um critério de amadurecimento erga omnes.

Ademais, não obstante suas inúmeras alterações, o Código Penal ainda prevê uma circunstância atenuante no art. 65, inciso I, relativa aos menores de 21 anos. Embora considerada anacrônica por alguns, tal atenuante reforça o entendimento de que aos 18 anos o menor, mesmo com desenvolvimento mental completo e capaz de entender as conseqüências de seus atos, ainda não está plenamente educado/instruído, apresentando ainda comportamento imaturo, merecendo receber um tratamento ameno.

b) o processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. Desnecessidade de exposição à "contaminação carcerária": como visto, embora admissível o desenvolvimento psíquico-intelectual do adolescente na faixa etária entre 16 e 18 anos, há de se ter cautela na análise dos casos concretos, posto que, nessa idade, grande parcela dos jovens ainda se encontra em fase de formação de caráter, de formação de consciência ética, cívica, moral.

Tem-se que o ideal seria a adoção do sistema biopsicológico, onde os infratores na idade entre 16 e 18 anos necessariamente se submeteriam a avaliação psiquiátrica e psicológica para aferir o seu grau de amadurecimento. Entretanto, seria utopia crer que haveria no Brasil estrutura organizacional para a realização desses exames em todo menor entre 16 e 18 anos que viesse a cometer infração penal.

Desse modo, não creio justificável que pessoas na idade entre 16 e 18 anos, ainda em fase de formação, passem a integrar o falido Sistema Penitenciário brasileiro como punição pelo cometimento de seus "atos infracionais" (os quais considero como crimes propriamente ditos, embora contrariando os critérios doutrinários da moderna teoria do crime), haja vista que estes adolescentes conviverão com criminosos de maior periculosidade e passarão a ter uma "educação" voltada para o crime. O adolescente transgressor, na idade entre 16 e 18 anos, que ingressar no Sistema Penitenciário sem qualquer formação de caráter, terá lá dentro tempo e professores suficientes para uma completa formação na Escola do Crime, onde poderá graduar-se e até pós graduar-se na criminalidade.

Ex positis, não considero a redução da maioridade penal a solução adequada para os problemas de aumento de criminalidade e violência no Brasil, tendo em vista a degradante realidade do Sistema Criminal brasileiro e a necessidade de reajustamento do processo de formação do menor. E nem se diga que a redução da maioridade penal tem um impacto intimidatório e que contribuiria para diminuir a criminalidade, pois o cárcere já se demonstrou punição insuficiente para refrear aos próprios adultos.

Propugno por alterações no ECA que tornem mais rígidas as sanções pelos "atos infracionais", haja vista que o referido Estatuto prevê em seu art. 121, §3º, o limite máximo de 3 (três) anos de internação em estabelecimento educacional/correcional, conhecido como FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor. Entendo que o limite de 3 (três) anos não possui efeito sequer paliativo, não existe reeducação possível em 3 (três) anos, carecendo o ECA de modificações no referido dispositivo.

Além das sanções mais rígidas, defendo também a reforma nos estabelecimentos de correção de menores, posto que a internação em estabelecimentos em unidades do tipo FEBEM nada tem de "medida sócio-educativa", o cumprimento de internação nessas unidades é igual ou pior ao cumprimento de pena em presídios ou penitenciárias. Propugno por medidas que possam realmente inserir o menor na sociedade, medidas que possam desenvolver as habilidades do menor, assumindo o Estado o papel de educar, ressocializar e tornar o menor uma pessoa melhor para a sociedade.

Por fim, importante destacar as brilhantes (e utópicas para alguns) soluções propostas pelo Dr. Arthur Kaufman, in verbis:

"Considero que o menor que disponha de consciência, entendimento, discernimento, intenção, compreensão, ao praticar crime qualificado com requintes de crueldade, deva ser julgado imputável e responder em um primeiro momento dentro do ECA, recebendo assim sanção sócio-educativa e, a partir do momento que atingir a maioridade, deva responder criminalmente.

Não se trata de colocar o adolescente numa penitenciária juntamente com criminosos adultos, mas que haja uma internação sem limite de tempo máximo pré-determinado, uma vez que o número "3" (de três anos) nada significa. Seria mais interessante que o menor internado fosse submetido a medidas sócio-educativas e periodicamente fosse visto por uma equipe de saúde mental que avaliasse seu grau de periculosidade. Mas estas medidas deveriam ocorrer dentro de um estabelecimento realmente efetivo, com programas de psico e socioterapia, atividades físicas, esportivas, artísticas etc., prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e inserção em regime de semiliberdade, e não uma instituição que representasse uma escola de crimes, como é atualmente vista a FEBEM, ironicamente chamada Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor.


Nos casos irrecuperáveis, somente seria aplicada ao menor infrator a medida de segurança, que poderia eventualmente mantê-lo confinado pelo maior tempo possível, caso não fosse constatada a cessação de sua periculosidade."

Referências:

JORGE, Éder. Redução da maioridade penal . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3374. Acesso em:
11 fev. 2007.

KAUFMAN, Arthur. Maioridade penal. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 31, n. 2, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832004000200007&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 11 Fev 2007.

O caso João Hélio: irracionalidade do homem e inoperância do Estado

Não há mais limite para a violência e para a maldade... o crime cometido no Rio de Janeiro, o qual resultou na morte do garoto João Hélio, não é apenas uma atrocidade, uma barbárie, não é apenas um crime brutal e inconcebível, ele é também o retrato do "irracional da humanidade" (nas palavras do presidente Lula). Não obstante seja um caso que poderia ocorrer em qualquer nação, é uma atrocidade que traz à tona a nossa desmantelada, instável, corrupta e burocrática máquina pública, fruto de anos de omissão e descaso das autoridades brasileiras.

As circunstâncias do crime e o modus operandi dos agentes chocam e provocam repugnância até na mais insensível das criaturas. Qualquer mãe que toma ciência da atrocidade cometida sofre, sente e se imagina no lugar da mãe da vítima. Qualquer cidadão brasileiro sente indignação e repúdio pela brutalidade dos delinquentes. Todos se compadecem dos amigos e familiares da vítima. No final das contas, as vítimas somos todos nós, a coletividade.

Cumpre destacar que, dentre os delinquentes que assassinaram o pequeno João Hélio, há pelo menos um menor envolvido e segundo a atual legislação em vigor aplicável ao caso, qual seja, o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente -, os menores respondem por "ato infracional" e são punidos com as "medidas sócio-educativas" que se afigurarem mais adequadas. In casu, o menor infrator (homicida) deverá sofrer medida privativa de liberdade consubstanciada na internação, a qual em nenhuma hipótese excederá o limite de 3 (três) anos, conforme o disposto no §3º, do art. 121 da Lei nº 8.069/90 (ECA).

Nesse diapasão, imbuídos de emoção, indignação e compaixão, suscitamos 2 (duas) possibilidades no tocante aos menores infratores: a) a redução da menoridade penal de 18 para 16 anos ou até para 14 anos, tese defendida pelo governador do Rio, Sérgio Cabral, em face da grande quantidade de menores envolvidos com o crime, sobretudo com o tráfico de drogas. Tese oposta é a dos representantes da Igreja católica, a do presidente República, Lula, e a da presidente do STF, ministra Ellen Gracie, para os quais não adianta reduzir a maioridade penal; b) outra possibilidade é a alteração do anacrônico ECA, o qual precisa tratar com maior severidade os "crimes" (atos infracionais) cometidos pelos menores. Idéia defendida pela ministra Ellen Gracie.

Ademais, como disse uma brilhante alma amiga: "a violência em nosso país tem se arrastado diariamente e triunfado sempre". Não precisamos ir ao Rio de Janeiro para vislumbrar essa realidade. Em nosso estado, é perceptível o deficitário sistema de segurança de que dispomos. Recentemente Recife figurou entre as capitais mais violentas do país e, além disso, vieram à tona os inúmeros e terríveis casos de violência doméstica em nosso estado. Sem falar na crescente onda de crimes violentos que atingem, sobretudo, a classe média, onde podemos citar o assassinato do universitário Rafael Dubeux. E nem é preciso falar das recentes imagens captadas na av. Boa Viagem, em que vândalos, marginais, animais, estragaram a folia da prévia do Carnaval recifense, graças à inoperância e insuficiência do contingente policial destacado para o evento.

Ressalte-se que o problema não está apenas no falho sistema de segurança pública, nem apenas no ineficiente policiamento ostensivo. Há de se destacar a morosidade do Judiciário e os entraves da nossa retrógrada legislação penal, que comprometem o combate ao crime, geram sensação de impunidade e acabam estimulando a prática de delitos.

Além disso, é preciso destacar a proliferação do crime organizado o qual se alastra em proporções indescritíveis, tanto partindo de dentro dos presídios e penitenciárias, como no caso do PCC, quanto se enraizando nos próprios pilares do Estado Democrático de Direito, verbi gratia, com as quadrilhas de sanguessugas, mensaleiros e equiparados do poder Legislativo, bem como com as associações criminosas incrustadas no Judiciário, que partem do juízo singular de primeira instância, chegam a presidentes de tribunais de segunda instância e até nos ministros dos tribunais superiores. Sem falar no Executivo, tanto nos municípios, quanto nos estados e até mesmo no Planalto.

Diante de tamanha proliferação e banalização da criminalidade, o Estado, lento para promover mudanças, instável politicamente e com a administração burocrática, encontra-se em franca desvantagem contra a criminalidade, que a cada dia está mais dinâmica, organizada, e com habilidade para promover mudanças. É como a luta entre um elefante e uma serpente.

Alfim, resta nossa indignação e o repúdio à barbárie ocorrida no Rio de Janeiro e, ainda, contra a omissão e descaso das autoridades brasileiras no atinente à Segurança Pública.