13 de maio de 2016

Do direito à cobertura pelo plano de saúde de tratamento com Clexane (Enoxaparina Sódica), em regime domiciliar, para gestante portadora de trombofilia

I – INTRODUÇÃO

O presente estudo objetiva analisar o direito de beneficiárias de Plano de Saúde privado à cobertura do tratamento médico com uso de medicamento enoxaparina sódica, CLEXANE (tratamento para trombofilia e obstetrícia), para a manutenção da gestação e preservação da vida e da saúde do bebê, sem internação, em regime domiciliar ou ambulatorial.

No caso sub oculi, as operadoras de plano de saúde costumeiramente negam a cobertura do tratamento, sob a alegação de que o tratamento não faz parte do rol de medicamentos de fornecimento obrigatório da ANS e de que o plano não fornece medicamento, salvo em caso de internação ou atendimento de urgência, conforme cláusulas contratuais, ou ainda de que o art. 10, VI, da Lei 9656/98 excepciona da cobertura obrigatória o fornecimento de medicamento para uso domiciliar.

Cuida-se de negativa abusiva de cobertura contratual, com base em interpretação abusiva de cláusulas contratuais que o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor consideram nulas, uma vez que estabelecidas em detrimento do consumidor final em instrumentos padronizados de contratos de adesão, conforme será demonstrado a seguir.

II – DA ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE DA NEGATIVA DE COBERTURA CONTRATUAL

A) TRATAMENTO DE DOENÇA NÃO PODE SER LIMITADO PELO PLANO DE SAÚDE: ABUSIVIDADE DA NEGATIVA DE TRATAMENTO MÉDICO DOMICILIAR OU AMBULATORIAL

A jurisprudência se consolidou no sentido de que o tratamento de doença não pode ser limitado de forma alguma pelo plano de saúde. Nesse sentido, vem afastando cláusulas abusivas, que prevêem a cobertura parcial de tratamentos, não cobrindo aparelhos usados ou medicamentos necessários à salvaguarda da vida do paciente etc.

Dessa forma, é considerada abusiva qualquer cláusula limitativa do tipo de tratamento para doença que é coberta pelo plano de saúde e abusiva a negativa de tratamento domiciliar ou ambulatorial, conforme entendimento do Colendo STJ, vejamos:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544, DO CPC)- DEMANDA POSTULANDO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA USO DOMICILIAR - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO AO AGRAVO, MANTIDA A INADMISSÃO DO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. 1. Violação do artigo 535 do CPC não configurada. É clara e suficiente a fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde da controvérsia, revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um dos argumentos declinados pela parte. 2. A jurisprudência do STJ é no sentido de que, ainda que admitida a possibilidade de o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do consumidor (desde que escritas com destaque, permitindo imediata e fácil compreensão, nos termos do § 4º do artigo 54 do Código Consumerista), revela-se abusivo o preceito excludente do custeio do medicamento prescrito pelo médico responsável pelo tratamento do beneficiário, ainda que ministrado em ambiente domiciliar. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ - AgRg no AREsp: 624402 RJ 2014/0313149-2, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 19/03/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/03/2015)

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL. MEDICAMENTO AMBULATORIAL OU DOMICILIAR. 1.- A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas.
2.- "É abusiva a cláusula contratual que determina a exclusão do fornecimento de medicamentos pela operadora do plano de saúde tão somente pelo fato de serem ministrado em ambiente ambulatorial ou domiciliar."” (AgRg no AREsp 292.901/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 04/04/2013). 3.- Agravo Regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 300648 RS 2013/0045857-0, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 23/04/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/05/2013)

Nesse sentido, em consonância com a jurisprudência pátria, É O MÉDICO QUEM DECIDE QUAL O MELHOR TRATAMENTO PARA O PACIENTE, e o plano de saúde pode até estabelecer que doenças são cobertas, MAS NÃO QUE TIPO DE TRATAMENTO ESTÁ À DISPOSIÇÃO PARA A RESPECTIVA CURA, seja ele domiciliar ou ambulatorial, em face dos direitos à vida e da saúde. Em reforço ao entendimento supra, calha trazer à baila os seguintes julgados:

“Apelação Cível. Plano de saúde. Fornecimento de medicamento. Negativa de cobertura. Contrato que prevê cobertura para Trombofilia e Obstetrícia. Danos morais configurados. Manutenção do valor indenizatório. Manutenção dos honorários advocatícios. Negado provimento ao recurso. Decisão unânime. I - Pode o contrato de seguro saúde limitar as doenças a serem cobertas, mas não o tipo de tratamento necessário para cada uma delas. II - "É abusiva a cláusula contratual que determina a exclusão do fornecimento de medicamentos pela operadora do plano de saúde tão somente pelo fato de serem ministrado em ambiente ambulatorial ou domiciliar." (AgRg no AREsp 292.901/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 04/04/2013). III- Se o plano possui cobertura para a Trombofilia e para Obstetrícia e o tratamento mais eficiente a ser ministrado à paciente nesse caso, segundo entendimento médico consiste no uso diário de heparina de baixo peso molecular (Clexane 40mg), não há razão para excluí-los da cobertura securitária, sob pena de se negar à beneficiária o tratamento adequado à sua enfermidade e, por consequência ferir a própria finalidade do contrato firmado entre as partes. IV - Nos contratos de plano de saúde devem incidir os princípios da boa-fé, da confiança, da hipossuficiência e da vulnerabilidade não sendo legítimo à seguradora perceber por anos a contribuição do segurado para se esquivar da cobertura do tratamento indispensável à permanência da vida dele justamente quando do surgimento da doença. (...).” (TJ-PE - APL: 369265-1 0042308-49.2013.8.17.0001  PE , Relator: Francisco Eduardo Goncalves Sertorio Canto, Data de Julgamento: 12/02/2015, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/02/2015)

PLANO DE SAÚDE. Recusa de autorização para exame e concessão de medicamentos que se mostra abusiva. Alegação de que o procedimento não está previsto no rol da ANS e que os medicamentos são de uso domiciliar. Decisão que cabe ao médico responsável pela segurada. Imperioso prestigiar a concreta necessidade ante o estado de saúde da paciente, até porque a seguradora pode fixar qual a doença será coberta em contrato, mas não o seu tratamento. Recurso desprovido.(TJ-SP - APL: 00115175220128260011 SP 0011517-52.2012.8.26.0011, Relator: Teixeira Leite, Data de Julgamento: 26/06/2014, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/06/2014)

“JUIZADOS ESPECIAIS. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA USO DOMICILIAR PELO PLANO DE SAÚDE. ABUSIVIDADE. PRECEDENTES STJ. REEMBOLSO DEVIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM FIXADO DE FORMA PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. CONTEÚDO DA SENTENÇA MANTIDO. (...) 3. Em que pesem tais argumentos, as seguradoras de saúde devem fornecer todo o tratamento necessário ao paciente, incluindo aí o fornecimento de medicamento específico e imprescindível para o tratamento com previsão contratual de cobertura, seja este ministrado no âmbito hospitalar ou domiciliar, não cabendo ao Plano de Saúde controlar o uso, mas sim, em ambos os casos, arcar com os custos, a fim de garantir o menor sofrimento possível ao paciente e a consequente sobrevivência digna. 4. Nesse sentido, o E.TJDFT já decidiu que é licita a delimitação contratual das doenças alcançadas pela cobertura do Plano de Saúde, porém é inadmissível, porque é abusiva, a cláusula que excluí determinado tratamento, como no caso dos medicamentos ministrados em domicílio, por ir de encontro à própria finalidade do contrato de saúde, privando o usuário de obter o tratamento mais adequado e indicado pelo médico. Injustificada a recusa, é cabível o ressarcimento das despesas havidas pelo autor para adquirir o medicamento. (...) 5. O STJ também já pacificou o entendimento de que é abusiva a negativa de fornecimento de medicamentos correlatos ao tratamento abrangido pela cobertura do plano de saúde tão somente pelo fato de serem ministrados em ambiente domiciliar: (...).” (TJ-DF - ACJ: 20140110530429 DF 0053042-04.2014.8.07.0001, Relator: MARÍLIA DE ÁVILA E SILVA SAMPAIO, Data de Julgamento: 11/11/2014, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Publicação: Publicado no DJE : 01/12/2014 . Pág.: 385)

            Ancorada no entendimento supramencionado, a eminente Desembargadora Ana Lúcia Romanhole Martucci, do Egrégio TJSP, no julgamento da Apelação 10061173020138260100, manifestou-se pela inaplicabilidade da restrição contida no art. 10, VI, da Lei 9656/98 (que não prevê a cobertura obrigatória de medicamento de uso domiciliar), nos seguintes termos:

“Entende-se, nesse contexto, que não assiste razão à ré quanto ao argumento de que sua conduta está em consonância ao artigo 10, VI da Lei 9.656/98. Isso porque a noção de tratamento deve ser compreendida em seu sentido mais amplo, de tal forma a englobar também o fornecimento do medicamento comprovadamente indispensável no caso concreto, não podendo, portanto, ser o medicamento dissociado do tratamento pelo simples fato de se tratar de domiciliar ou ministrado pela via oral. (...) Ademais, a questão deve ser examinada à luz das normas de ordem pública previstas no Código de Defesa do Consumidor, cuja aplicabilidade, hoje, não mais se discute, sendo forçoso reconhecer a abusividade da cláusula que exclui o fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, para a salvaguarda da integridade física da autora. À luz do que dispõe o artigo 51, IV, e § 1º, II e III, do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula de exclusão se mostra abusiva e, portanto, inválida, uma vez que coloca o consumidor em desvantagem exagerada.” (TJ-SP - APL: 10061173020138260100 SP 1006117-30.2013.8.26.0100, Relator: Ana Lucia Romanhole Martucci, Data de Julgamento: 24/01/2014, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/01/2014)
           
            Por seu turno, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco - TJPE consolidou posicionamento no sentido de que é vedada a exclusão de cobertura de tratamento domiciliar, e cristalizou sua jurisprudência editando a Súmula n. 7, publicada no DPJ 88 15.05.2007, p. 2, que estabelece:

TJPE, Súmula n. 7: É abusiva a exclusão contratual de assistência médico domiciliar (home care).

Desse modo, revela-se abusiva a negativa do custeio do tratamento médico com o uso do medicamento (CLEXANE 40), sem internação, em ambiente ambulatorial ou domiciliar, conforme prescrito por médico especialista responsável, para manutenção da gravidez de segurada beneficiária de plano de saúde, por motivo de trombofilia e complicações gestacionais (que possuem cobertura obrigatória).

B) OBRIGATORIEDADE DE COBERTURA DO ATENDIMENTO NOS CASOS DE EMERGÊNCIA E URGÊNCIA (COMPLICAÇÕES NO PROCESSO GESTACIONAL), NA FORMA DO ART. 35-C, DA LEI 9656/98

Conforme se depreende da jurisprudência pátria, os médicos especialistas prescrevem o tratamento urgente com o uso urgente de enoxaparina sódica (Clexane) diante do risco imediato de vida e de lesões irreparáveis para as usuárias de plano de saúde gestantes portadoras de trombofilia de alto risco, sobretudo em casos de histórico de perda fetal, para fins de salvaguardar a vida da beneficiária (gestante) e do bebê (evitar aborto, óbito fetal, trombose venosa etc).

Tal circunstância reforça a ilegalidade da resistência das operadoras de plano de saúde em autorizar a assistência médica à beneficiária gestante mesmo diante da caracterização do Estado de Emergência e Urgência, conduta essa repudiada pelo art. 35-C, incisos I e II da Lei 9656/98, que prevê a obrigatoriedade da cobertura nos casos de emergência e urgência (complicações no processo gestacional), nos seguintes termos:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: 
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional; (Lei 9656/98)

Em reforço a esse entendimento, calha trazer à baila aresto do Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO, verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE. RISCO GESTACIONAL. TRATAMENTO COM IMUNOGLOBULINA HUMANA ENDOVENOSA E COM HEPARINA DE BAIXO PESO (CLEXANE). ALEGAÇÃO DE MEDICAÇÃO EXPERIMENTAL E DE REGIME DOMICILIAR. DESCABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 35-C, I E II, LEI 9656/98. DANO MORAL CONFIGURADO. 1. O histórico de aborto habitual e o risco gestacional atestado pelo médico assistente enquadram-se nas indicações do tratamento com imunoglobulina humana endovenosa e com heparina de baixo peso (clexane). 2. Independente do regime em que deve ser ministrado o tratamento, é obrigatória a cobertura do atendimento de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente, bem como de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional - inteligência do art. 35-C, incisos I e II, da Lei 9656/98. 3. Nos termos da jurisprudência do STJ, somente ao médico que acompanha o paciente é dado definir seu tratamento adequado, de modo que a seguradora não pode substituí-lo e limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado. (...) (TJ-PE - AGV: 2335973 PE , 0016095-11.2010.8.17.0001, Relator: Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima, Data de Julgamento: 10/10/2014, 1º Câmara Extraordinária Cível, Data de Publicação: 16/10/2014)

Nessa ordem de idéias, verifica-se que a hipótese sub examine se amolda ao disposto no art. 35-C, I e II, da Lei 9656/98, que prevê obrigatoriedade de cobertura quando há situação de emergência e urgência, restando inaplicável à espécie o disposto no art. 10, VI, da Lei 9656/98 (que não prevê a cobertura obrigatória de medicamentos de uso domiciliar), pois no caso concreto o uso do medicamento é fundamental para o indispensável e urgente tratamento, para a salvaguarda da vida da gestante e do bebê, com fim de evitar aborto, óbito fetal. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados de casos análogos:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO OBSTÉTRICO DE URGÊNCIA. AMBIENTE DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. REQUISITOS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PREENCHIDOS. 1. A concessão da antecipação de tutela pressupõe prova inequívoca da verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, a teor do disposto no art. 273 do CPC. 2. A jurisprudência deste Colegiado firmou entendimento no sentido de ser descabida a negativa securitária sob a alegação de que o medicamento será ministrado em âmbito domiciliar, pois o que importa para a solução do litígio é a existência de cobertura da patologia apresentada pelo contratante e não a forma como o tratamento será realizado. 3. O tratamento prescrito à parte autora decorre de tratamento obstétrico de urgência, resultante de complicações no processo gestacional, para os quais a cobertura é obrigatória por força do art. 35-C, inc. II, da Lei 9.656/98, já evidenciando, igualmente, a presença do periculum in mora. DADO PROVIMENTO, DE PLANO, AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.” (Agravo de Instrumento Nº 70062339767, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marlene Landvoigt, Julgado em 30/10/2014). (TJ-RS - AI: 70062339767 RS , Relator: Marlene Landvoigt, Data de Julgamento: 30/10/2014, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/11/2014)

“PLANO DE SAÚDE. PACIENTE PORTADOR DE CÂNCER. TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO VIA ORAL. MEDICAMENTO "XELODA". COBERTURA CONTRATUAL DE SUBSTÂNCIA PARA TRATAMENTO EM ÂMBITO DOMICILIAR. RECUSA INDEVIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1- Recurso interposto contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido cominatório para determinar o custeio de tratamento do autor contra o câncer, consistente na ingestão via oral e domiciliar da substância "Xeloda", conforme prescrição médica, pelo tempo que subsistir a necessidade. 2- Na hipótese dos autos, tem aplicação o art. 35-C, I, da Lei n. 9.656/98, que prevê a obrigatoriedade da cobertura quando há situação de emergência, e não o art. 10, VI, do mesmo diploma legal, que determinar a restrição de cobertura para medicamento de uso domiciliar, já que no caso concreto o uso do medicamento é fundamental para a vida do paciente. (...)” (TJ-SP - APL: 00420666120118260114 SP 0042066-61.2011.8.26.0114, Relator: Alexandre Lazzarini, Data de Julgamento: 02/05/2013, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/05/2013)

No julgamento da Apelação Cível 0001988-09.2012.8.26.0302, o Desembargador Relator José Luiz Mônaco da Silva asseverou que a teleologia do art. 10, VI, da Lei 9656/98 refere-se a exclusão da comum e corriqueira compra de medicamentos para doenças comuns que não exigem tratamento especializados, in verbis:

“A proibição mencionada da Lei nº 9.656/98 assevera que não está coberto pelo plano de saúde o fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, não se aplica ao caso. Na referida Lei, a finalidade da vedação é a exclusão da comum e corriqueira de compra de medicamentos disponíveis em farmácia para doenças comuns que não exigem tratamentos especializados. Diferente a situação do medicamento que exige o acompanhamento médico por constituir forma de tratamento, aliás, forma como solicitou o próprio médico (fls. 17 e 22) e não simples receita de medicação a ser adquirida e ministrada pelo próprio paciente. A nosso ver, em análise teleológica da regra legal que estabelece as coberturas e exclusões admissíveis nos contratos (em especial quanto à exclusão de cobertura de medicamentos), conclui-se que a mens legis não é estabelecer um critério diferencial pelo local e/ou pela via de aplicação do medicamento (aliás, o que seria por demais formal e superficial); os critérios diferenciais são a especialidade que o tratamento exige, a necessidade do acompanhamento médico mais severo, a gravidade e a frequência da doença. Em suma, o que exatamente justifica a adesão a um plano de saúde, de natureza securitária para ocasiões que fogem às doenças mais corriqueiras e tratamentos por medicamentos mais comuns e que não exigem acompanhamento mais severo. Com efeito, em nosso convencimento, por tratarse de tratamento da doença em grau especializado e que exige mesmo acompanhamento médico, está abrangido dentre os tratamentos cobertos pelo contrato. Deste modo, evidente que as cláusulas que inibem seu fornecimento são abusivas. A cobertura do tratamento à doença abrange o método e o medicamento.(TJ-SP,  AC 0001988-09.2012.8.26.0302 , Relator: J.L. Mônaco da Silva, Data de Julgamento: 19/05/2015, 5ª Câmara de Direito Privado)

Diante do exposto, afigura-se abusiva a negativa de custeio do tratamento médico urgente com o uso do medicamento (CLEXANE) prescrito pelo especialista médico responsável, para manutenção da gravidez beneficiária do plano de saúde, devido à obrigatoriedade de cobertura de emergência e urgência, nos termos do art. 35-C, da Lei 9656/98, independentemente do regime em que deve ser ministrado o tratamento, hospitalar, ambulatorial ou domiciliar.

C) ABUSIVIDADE DA EXCLUSÃO GENÉRICA DE COBERTURA DE TRATAMENTO “POR NÃO ESTAR PREVISTO NO ROL DA ANS”: SÚMULA 102 DO TJSP

Ao se recusarem a custear o tratamento prescrito pelos especialistas médicos, as operadoras de plano de saúde  alegam que o tratamento estaria excluído de cobertura porque não faz parte do rol de medicamentos de fornecimento obrigatório da ANS, conforme cláusula contratual restritiva.

Ocorre, todavia, que, em se tratando de contrato de adesão, SÃO NULAS QUAISQUER CLÁUSULAS que deixem ao livre arbítrio de uma das partes autorizar ou negar a cobertura de procedimento médico, em situações emergenciais, bem como as que LIMITEM OU RESTRINJAM O TRATAMENTO INDICADO PELO MÉDICO, consoante se lê nos seguintes artigos do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

A respeito de tal matéria, nosso Código Civil estabelece em seu artigo 424:

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJSP consolidou entendimento no sentido de que é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS, e cristalizou sua jurisprudência editando a Súmula n. 102, que estabelece:

TJSP, Súmula n. 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS. (grifos acrescidos)

Destarte, verifica-se, assim, que o rol da ANS apenas fixa a cobertura mínima obrigatória, em um rol exemplificativo, que não poucas vezes mostra-se desatualizado em virtude dos constantes avanços da medicina. Assim, calha trazer a lume arestos dos tribunais Pátrios, inclusive do Egrégio TJPE, que reforçam esse entendimento, in verbis:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE MEDICAMENTO NECESSÁRIO À MANUTENÇÃO DA GRAVIDEZ DA APELANTE. CLEXANE 40MG. DANO MORAL CONFIGURADO. REINCIDÊNCIA. ELEVAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. MAJORAÇÃO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1. A ausência de inclusão pela ANS como tratamento obrigatório não implica a falta de responsabilidade do apelado pela cobertura. Se a doença da apelante é coberta pelo plano de saúde, cabe a ele fornecer toda a terapia necessária para a cura. (...)” (TJ-PE - APL: 3255223 PE , Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 25/02/2014, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/03/2014)

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA INDEVIDA DE COBERTURA. INEXISTÊNCIA DE EXCLUSÃO EXPRESSA DA COBERTURA DO TRATAMENTO NO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. ROL DE PROCEDIMENTOS ELENCADOS PELA ANS QUE SERVE APENAS COMO REFERÊNCIA PARA COBERTURA ASSISTENCIAL MINÍMA. INTERVENÇÃO DA ANS ADMITIDA APENAS EM FAVOR DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE QUE NÃO ESTÁ AUTORIZADO A RESTRINGIR AS OPÇÕES DE TRATAMENTO DA SEGURADA. DANO MORAL CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não é legítimo o ato denegatório de cobertura de determinado tratamento prescrito por médico responsável, quando inexistir no contrato cláusula de exclusão explícita do procedimento, não sendo suficiente a existência de cláusula genérica que preveja a cobertura apenas de procedimentos constantes no rol da ANS, tudo isso nos termos do o arts. 46 e 54, § 4º, do CDC. 2. O rol da ANS não é taxativo, pois contém apenas a referência para a cobertura assistencial mínima obrigatória nos planos de saúde contratados no território nacional, de maneira que funciona como mero orientador das prestadoras de serviços de saúde, cabendo a estas deixar claro nos contratos quais são os procedimentos que irão ou não cobrir. 3. Somente é admitida a intervenção da ANS em favor do consumidor, seja para afastar cláusulas abusivas ou ampliar a proteção contratual. 4. Cabe ao médico responsável pelo caso, determinar o tratamento apropriado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade do paciente, desta forma, o plano de saúde não está habilitado, tampouco autorizado, a restringir as alternativas cabíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do enfermo. 5. No caso de negativa indevida de plano de saúde, fica evidente o sofrimento da segurada, a qual teve sua justa expectativa frustrada, vendo-se totalmente desprotegida, quando imaginava estar amparada por seu contrato de seguro-saúde. 6. Recurso que se nega provimento.” (TJ-PE - APL: 3635652 PE , Relator: Agenor Ferreira de Lima Filho, Data de Julgamento: 25/02/2015, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 04/03/2015)

“Plano de saúde. Ação de obrigação de fazer. Negativa de cobertura de cirurgia e materiais cirúrgicos. Alegação de que o procedimento não possui cobertura contratual e não consta no rol dos procedimentos obrigatórios instituídos pela ANS. Inadmissibilidade. Rol que prevê somente a cobertura mínima obrigatória. Exclusão que contraria a função social do contrato retirando da paciente a possibilidade do tratamento necessitado. Súmula 102 do TJ/SP. Material cirúrgico que deve ser escolhido pelo médico e não pela operadora de saúde. Valor dos honorários sucumbenciais mantido, sendo determinada a sua correção. Recurso da autora parcialmente provido e negado provimento ao recurso da ré.” (TJ-SP - APL: 02031317320128260100 SP 0203131-73.2012.8.26.0100, Relator: José Joaquim dos Santos, Data de Julgamento: 25/03/2014, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/03/2014)

Ressalte-se, ademais, que a negativa de cobertura do medicamento constitui negativa de cobertura da própria doença, o que violaria os princípios que regem o equilíbrio do contrato, consoante aresto a seguir do TJSP:

Plano de Saúde. Exclusão contratual de tratamento domiciliar ("home care") Questão que não foi objeto de debate. Não conhecimento do recurso nesta parte. Plano de Saúde. Contrato celebrado antes da Lei nº 9.656/98. Contrato de trato sucessivo. Efeitos produzidos durante o período de vigência da lei, que, por esse motivo, aplica-se ao caso. Aplicação da Súmula 100 deste Tribunal de Justiça. Plano de saúde Negativa de cobertura do medicamento "Clexane", em regime domiciliar, necessário para tratamento de AVC Cláusula excludente de cobertura - Impossibilidade A negativa de cobertura do medicamento constitui negativa de cobertura ao tratamento da doença, o que é contratualmente vedado Violação do princípio da boa-fé objetiva e causa de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato Apelo não provido. (TJ-SP - APL: 00245213920108260008 SP 0024521-39.2010.8.26.0008, Relator: Silvia Sterman, Data de Julgamento: 11/06/2013, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/06/2013)

Nesse sentido, a conduta das operadoras de plano de saúde abusiva e ilegal, praticada com base em INTERPRETAÇÃO ABUSIVA DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS que o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor consideram nulas, uma vez que estabelecidas em detrimento do consumidor final em instrumentos padronizados de contratos de adesão.

   Destarte, revela-se abusiva a negativa de cobertura de tratamento ou medicamento sob o argumento de não estar previsto no rol da ANS e, portanto, abusiva a negativa do custeio do tratamento com o uso do medicamento (CLEXANE) prescrito por especialista médico responsável, para manutenção da gravidez, por motivo de trombofilia e complicações gestacionais (cobertos pelo plano).

D) É ABUSIVA A NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO COM O FORNECIMENTO DE CLEXANE (ENOXAPARINA SÓDICA) PARA GESTANTE PORTADORA DE TROMBOFILIA

  Ante o exposto, não pode ser outra a conclusão, senão a de que é abusiva a negativa de cobertura do tratamento prescrito pelo especialista médico responsável, com uso de Clexane (tratamento de trombofilia e obstetrícia, que são cobertos pelo plano), para gestante portadora de trombofilia, tratamento indispensável para manutenção da gestação e preservação da vida da gestante e do bebê, mesmo que sem internação, em ambiente domiciliar ou ambulatorial, e ainda que não previsto o tratamento no rol da ANS, conforme entendimento consolidado pela Jurisprudência Pátria , in verbis:

“Apelação Cível. Plano de saúde. Fornecimento de medicamento. Negativa de cobertura. Contrato que prevê cobertura para Trombofilia e Obstetrícia. Danos morais configurados. Manutenção do valor indenizatório. Manutenção dos honorários advocatícios. Negado provimento ao recurso. Decisão unânime. I - Pode o contrato de seguro saúde limitar as doenças a serem cobertas, mas não o tipo de tratamento necessário para cada uma delas. II - "É abusiva a cláusula contratual que determina a exclusão do fornecimento de medicamentos pela operadora do plano de saúde tão somente pelo fato de serem ministrado em ambiente ambulatorial ou domiciliar." (AgRg no AREsp 292.901/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 04/04/2013). III- Se o plano possui cobertura para a Trombofilia e para Obstetrícia e o tratamento mais eficiente a ser ministrado à paciente nesse caso, segundo entendimento médico consiste no uso diário de heparina de baixo peso molecular (Clexane 40mg), não há razão para excluí-los da cobertura securitária, sob pena de se negar à beneficiária o tratamento adequado à sua enfermidade e, por consequência ferir a própria finalidade do contrato firmado entre as partes. IV - Nos contratos de plano de saúde devem incidir os princípios da boa-fé, da confiança, da hipossuficiência e da vulnerabilidade não sendo legítimo à seguradora perceber por anos a contribuição do segurado para se esquivar da cobertura do tratamento indispensável à permanência da vida dele justamente quando do surgimento da doença. (...).” (TJ-PE - APL: 369265-1 0042308-49.2013.8.17.0001  PE , Relator: Francisco Eduardo Goncalves Sertorio Canto, Data de Julgamento: 12/02/2015, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/02/2015)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO PROFERIDA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - CORRETA APLICAÇÃO DO ART. 557 DO CPC - CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. FORNECER O TRATAMENTO ATRAVÉS DO MEDICAMENTO CLEXANE, SEM INTERNAÇÃO HOSPITALAR. NEGATIVA DE COBERTURA INDEVIDA. CLÁUSULA ABUSIVA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A pretensão recursal encontra-se em confronto com entendimento majoritário do STJ caracterizando a aplicação do art. 557do CPC. 2. Os planos de saúde podem estabelecer quais as doenças não serão cobertas, mas não podem limitar o tipo de tratamento a ser alcançado ao paciente. Negar a cobertura para a medicação necessária ao tratamento de trombose venosa profunda femoro-poplitea, seria o mesmo que negar o tratamento. 3. Assim, é abusiva a cláusula que exclui o custeio de medicamento necessário ao tratamento, nesse caso, Clexane, em face dos direitos à vida e à saúde constitucionalmente protegidos. Precedentes do STJ. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento”. (TJPE, 3ª CÂMARA CÍVEL, Agravo: Nº 0215920-4/01 0018355-64.2010.8.17.0000, Relator: Des. Eduardo Sertório, Julgamento 14/10/2010, Publicação 28/10/2010)

“Apelação Cível. Ação ordinária c/c reparação de danos materiais e morais. Plano de Saúde. Improcedência. Tratamento para trombofilia. Medicamento "CLEXANE". Indicação médica. Negativa de cobertura. Aplicabilidade do CDC. Cláusula abusiva que deve ser afastada. Dano material. Dever de indenizar. Dano moral não configurado. Recusa de cobertura securitária fundada em contrato. Recurso de apelação parcialmente provido. 1. A presente relação contratual deve ser analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90), eis que presentes as figuras do consumidor dos serviços (paciente) e a do fornecedor destes (plano de saúde), na esteira dos artigos 2º e 3º do CDC. 2. Restando demonstrado que a medicação indicada faz parte do tratamento da doença (trombofilia) que integra a cobertura do contrato de plano de saúde, seu fornecimento deve ser suportado.  (...)” (TJ-PR 8631114 PR 863111-4 (Acórdão), Relator: Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima, Data de Julgamento: 28/06/2012, 10ª Câmara Cível)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA C/C REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. PLANO DESAÚDE. IMPROCEDÊNCIA. TRATAMENTO PARA TROMBOFILIA. MEDICAMENTO "CLEXANE". INDICAÇÃO MÉDICA. NEGATIVA DE COBERTURA. APLICABILIDADE DO CDC. CLÁUSULA ABUSIVA QUE DEVE SER AFASTADA. DANO MATERIAL. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECUSA DECOBERTURA SECURITÁRIA FUNDADA EM CONTRATO. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A presente relação contratual deve ser analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), eis que presentes as figuras do consumidor dos serviços (paciente) e a do fornecedor destes (plano de saúde), na esteira dos artigos  e  do CDC. 2. Restando demonstrado que a medicação indicada faz parte do tratamento da doença (trombofilia) que integra a cobertura do contrato de plano de saúde, seu fornecimento deve ser suportado. (...) (STJ, AgRg no Resp n. 842.767, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. em 21.06.2007)

           III – DOS DANOS MORAIS EM CASO DE NEGATIVA ABUSIVA DE COBERTURA

Resta inafastável que, pelo ato ilícito praticado (a recusa ilegal da cobertura do tratamento médico de que necessita a gestante, quando em risco a própria vida da gestante e do seu bebê), as operadoras de plano de saúde causam às seguradas-beneficiárias graves prejuízos morais, além de sofrimento psicológico, aflição, dor e angústias que extrapolam o limite do mero aborrecimento, de onde emerge o dever de indenizar as beneficiárias gestantes, nos moldes do art. 927 do Código Civil e do art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal. Frise-se, ademais, que, ao pedir autorização da seguradora, a beneficiária-segurada já se encontra em condição de dor e de abalo psicológico.

Em reforço ao entendimento acima sufragado, confira-se jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, in litteris:

“DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. INCIDÊNCIA DO CDC. PRÓTESE NECESSÁRIA À CIRURGIA DE ANGIOPLASTIA. ILEGALIDADE DA EXCLUSÃO DE “STENTS” DA COBERTURA SECURITÁRIA. DANO MORAL CONFIGURADO. MAJORAÇÃO DOS DANOS MORAIS. - Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. - A quantia de R$ 5.000,00, considerando os contornos específicos do litígio, em que se discute a ilegalidade da recusa de cobrir o valor de “stents” utilizados em angioplastia, não compensam de forma adequada os danos morais. Condenação majorada.Recurso especial não conhecido e recurso especial adesivo conhecido e provido.” (grifos acrescidos) (STJ, 3ª T., Resp 98647/RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.03.2008, DJ 26.03.2008)

Calha trazer a lume o entendimento pacificado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, in verbis:


“Apelação Cível. Plano de saúde. Fornecimento de medicamento. Negativa de cobertura. Contrato que prevê cobertura para Trombofilia e Obstetrícia. Danos morais configurados. Manutenção do valor indenizatório. Manutenção dos honorários advocatícios. Negado provimento ao recurso. Decisão unânime. (...)  V - A conduta da operadora em negar custeio ao tratamento necessitado pela paciente frustrou a legítima expectativa de ser protegida no momento de infortúnio. Nessa ocasião, o dano é claro e presumido, considerando-se o abalo à moral da vítima, pois teve o estado de tensão psicológica e de angústia intensificados pelo tratamento recusado.
VI - Valor indenizatório mantido em R$9.000,00. VII - Homorários advocatícios mantidos em 20% sobre o valor da condenação pois fixados em estrita observância ao disposto no citado art. 20, § 3º, do CPC. VII - Recurso não provido por unanimidade.” (TJ-PE - APL: 369265-1 0042308-49.2013.8.17.0001  PE , Relator: Francisco Eduardo Goncalves Sertorio Canto, Data de Julgamento: 12/02/2015, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/02/2015)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE MEDICAMENTO NECESSÁRIO À MANUTENÇÃO DA GRAVIDEZ DA APELANTE. CLEXANE 40MG. DANO MORAL CONFIGURADO. REINCIDÊNCIA. ELEVAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. MAJORAÇÃO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. (...) 2. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a injusta recusa à cobertura do plano de saúde gera dano moral, pois agrava a situação de aflição psicológica e de angústia do segurado, que ademais se encontra com a saúde debilitada. 3. O valor fixado a título de indenização por danos morais deve atender às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 4. O Plano de saúde negou à apelante o custeio do medicamento Clexane 40 mg pela segunda vez, pois a recorrente já havia ingressado com Ação idêntica quando de sua primeira gravidez, tendo sido julgada procedente e sido arbitrado, na ocasião, o valor de R$ 5.000 (cinco mil reais) a título de danos morais. 5. Considerando a capacidade financeira do apelado e a finalidade pedagógica da condenação, e ainda por se tratar de reincidência, a indenização por danos morais deve ser majorada para R$ 10.000,00 (dez mil reais). 5. Danos materiais comprovados, no valor de R$ 650,61 (seiscentos e cinquenta reais e sessenta e um centavos), devendo ser ressarcida a apelante nesse valor. 4. Apelo parcialmente provido. Decisão unânime. (TJ-PE - APL: 3255223 PE , Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 25/02/2014, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/03/2014)

Nesse contexto, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco consolidou entendimento na Súmula n. 35, que assim dispõe:

TJPE, Súmula n. 35: A negativa de cobertura fundada em cláusula abusiva de contrato de assistência à saúde pode dar ensejo à indenização por dano moral.

No tocante à necessidade de se provar o dano moral, impõe-se ressalvar que o dano moral e o dano material, embora possam decorrer até do mesmo fato ilícito, não se confundem. O dano material ou econômico deve ser obrigatoriamente provado. Já o dano moral é presumido e decorre do simples fato do ilícito, conforme entendimento há muito consolidado no STJ (RESP 775498-PR 2005/0138803-4, Rel. Jorge Scartezzini, Julgamento 16/03/2006, Publicação 10/04/2006).

Diante do exposto, não há dúvidas tanto sobre a configuração do dano moral quanto da necessidade da sua fixação em valor capaz de alcançar os seus objetivos, quais sejam: reprimir a ação lesiva e garantir reparação justa à beneficiária.

          IV – DA POSSIBILIDADE DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA EM AÇÃO JUDICIAL

Expõe o artigo 273 do Código de Processo Civil que: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”.

No hipótese em análise, não há dúvida quanto à abusividade da negativa de cobertura do tratamento com uso de Clexane (para tratamento de trombofilia e obstetrícia, que são cobertos pelo plano), para gestante portadora de trombofilia, indispensável para manutenção da gestação e preservação da vida da gestante e do bebê, ainda que em ambiente domiciliar ou ambulatorial e mesmo que não previsto o tratamento no rol da ANS, conforme entendimento consolidado pelos Tribunais Pátrios.

De outro lado, a urgência e o fundado receio de dano irreparável também restam evidenciados (RISCO DE PERDA DA GESTAÇÃO, ÓBITO FETAL, ABORTO), sobretudo quando, na situação em comento, as beneficiárias são gestantes de alto risco (portadoras de trombofilia), tem histórico de perda fetal, necessitando do uso urgente de enoxaparina sódica (Clexane), consoante prescrição do especialista médico assistente, para fins de salvaguardar a vida da gestante e do bebê, havendo risco imediato de vida e de lesões irreparáveis para a gestante, decorrentes de complicações do processo gestacional.

Nesse sentido, confira-se arestos que, em casos análogos, reconheceram presentes os requisitos para concessão da antecipação dos efeitos da tutela, in verbis:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ESPECIALIDADE MÉDICA. OBSTETRIA. COBERTURA. PREVISÃO CONTRATUAL. MEDICAMENTO CORRELATO. INDICAÇÃO MÉDICA. PLANO DE SAÚDE. RECUSA. TUTELA. ANTECIPADA. REQUISITOS. PRESENÇA. DEFERIMENTO. MANUTENÇÃO.  I O deferimento da tutela antecipada exige a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e do risco de dano qualificado, desde que a medida seja dotada de reversibilidade. II Prevista no contrato de saúde cobertura para determinada especialidade médica, reputa-se abusiva a cláusula que exclui medicamentos correlatos, tão somente em razão de ter sido ministrado para utilização em ambiente domiciliar. III - O contrato de saúde firmado pelas litigantes cobre os serviços e procedimentos médicos de obstetrícia, mostrando-se adequada, em princípio, a liminar que determina o fornecimento do medicamento CLEXANE 40MG, durante todo o período gestacional, a fim de reduzir complicações tromboembólicas e perda fetal, conforme descrito nos relatórios médicos que acompanham a exordial. IV Não havendo prova de que a decisão possa causar lesão grave ou de difícil reparação à administradora do plano de saúde, confirma-se a medida concedida em antecipação de tutela. Recurso não provido.” (TJ-BA - AI: 03027211720128050000 BA 0302721-17.2012.8.05.0000, Relator: Heloísa Pinto de Freitas Vieira Graddi, Data de Julgamento: 06/11/2012, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 16/11/2012)

“PROCESSO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGATIVA DE COBERTURA. MEDICAMENTO DE USO DOMICILIAR. OBRIGAÇÃO DO PLANO DE SAÚDE. DEU-SE PROVIMENTO AO RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. (...) 2. Não se entende como legítima a recusa do plano de saúde agravado em fornecer a medicação receitada pela equipe médica da agravante por alegar ausência de previsão contratual para remédios independentes de internação hospitalar. É sabido que o direito á vida é garantia constitucional (art. 5º), competindo ao Agravado à efetivação desse direito, não podendo se furtar justamente em um momento como o tratado na presente demanda, isto sem falar proteção que se deve dar ao nascituro em desenvolvimento. 3. Os planos de saúde podem estabelecer quais as doenças serão cobertas, mas não podem limitar o tipo de tratamento a ser alcançado ao paciente. 4. Liminar deferida no sentido de determinar ao Plano de Saúde Agravado, UNIMED Recife - Cooperativa de Trabalho Médico, o cumprimento de obrigação perseguida, recomendada pelos médicos da agravante, fls.89/90, através do fornecimento do medicamento Enoxaparina (Clexane) 40 mg, em uma dose diária, durante toda a gestação da paciente e mais 6 (seis) semanas após o parto, sob pena de aplicação de multa diária por descumprimento no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais). 5. Unanimemente, deu-se provimento ao Agravo de Instrumento.”  (TJ-PE - AGV: 2986027 PE , Relator: Josué Antônio Fonseca de Sena, Data de Julgamento: 07/05/2013, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/05/2013)

“Plano de saúde empresarial. Antecipação de tutela. Prova da verossimilhança quanto a ser autora beneficiária de plano de saúde com cobertura para gravidez e para o distúrbio de coagulação de que é portadora (trombofiliagenética-fator V de Leiden em heterozigose). Risco de dano irreparável atinente à possibilidade de aborto ou evento trombótico que afete a autora caso não houver fornecimento do medicamento pretendido. Presença dos requisitos do art. 273 do CPC. Concessão da tutela que é de rigor. Recursoprovido por decisão monocrática.” (TJ-SP - AI: 20786426520148260000 SP 2078642-65.2014.8.26.0000, Relator: Maia da Cunha, Data de Julgamento: 26/05/2014, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/05/2014)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO PLANO DE SAÚDE Concessão de liminar para obrigar a operadora a fornecer o medicamento Clexane 20 mg em esquema de home care Presença dos requisitos autorizadores da antecipação da tutela, comprovada a urgência para preservação da vida do autor Precedentes do TJSP Decisão mantida Recurso desprovido.” (TJ-SP - AI: 02624732420128260000 SP 0262473-24.2012.8.26.0000, Relator: João Batista Vilhena, Data de Julgamento: 29/01/2013, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/02/2013)

O DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR É A PRÓPRIA VIDA DA GESTANTE E A MANUTENÇÃO DA GESTAÇÃO COM A PROTEÇÃO DO FETO, e não se está diante de hipótese em que exista qualquer nebulosidade ou a necessidade de produção de qualquer tipo de prova diverso dos já produzidos nos presentes autos, sendo, desta forma, as razões autorais suficientes não apenas para a concessão da tutela ora requerida, mas, também, aptas a permitir a procedência final do pedido.

Não se trata de possibilidade de perecimento de direito, mas DA POSSIBILIDADE DA PERDA DA VIDA DA GESTANTE E DO BEBÊ. Impossível se cogitar de um maior e mais evidente perigo na demora para a concessão da medida pleiteada. Frise-se, inclusive, que o bem jurídico consistente na vida da autora e do bebê é imensamente superior ao bem jurídico eventualmente consistente no custo do tratamento.

No mais, não há risco de irreversibilidade do provimento antecipado, uma vez que, caso seja julgada improcedente a demanda, pode a operadora de saúde demandada cobrar da beneficiária os valores gastos com o tratamento.

Assim sendo, deve ser pleiteada a a antecipação dos efeitos da tutela em ação judicial para compelir as operadoras de plano de saúde a autorizarem de  imediato o tratamento de que necessitam as beneficiárias gestantes de alto risco, com o uso de Clexane, conforme prescrito pelo especialista médico assistente, em ambiente ambulatorial ou domiciliar.

V - CONSIDERAÇÕES FINAIS

É considerada abusiva qualquer cláusula limitativa do tipo de tratamento para doença que é coberta pelo plano de saúde e abusiva a negativa de tratamento com uso de medicamento, sem internação, domiciliar ou ambulatorial, pois É O MÉDICO QUEM DECIDE QUAL O MELHOR TRATAMENTO PARA O PACIENTE, e o plano de saúde pode até estabelecer que doenças são cobertasMAS NÃO QUE TIPO DE TRATAMENTO ESTÁ À DISPOSIÇÃO PARA A RESPECTIVA CURA, seja ele domiciliar ou ambulatorial, em face dos direitos à vida e da saúde.

A restrição contida no art. 10, VI, da Lei 9656/98 (que não prevê a cobertura obrigatória de medicamento de uso domiciliar), segundo a melhor exegese, refere-se apenas à exclusão da comum e corriqueira compra de medicamentos para doenças comuns que não exigem tratamento especializados, pois a noção de tratamento deve ser compreendida em sentido amplo, de forma a englobar medicamento indispensável e intrinsecamente associado ao tratamento médico.

A hipótese sub examine se amolda ao disposto no art. 35-C, I e II, da Lei 9656/98, que prevê obrigatoriedade de cobertura quando há situação de emergência e urgência, restando inaplicável à espécie o disposto no art. 10, VI, da Lei 9656/98 (que não prevê a cobertura obrigatória de medicamentos de uso domiciliar), pois no caso concreto o uso do medicamento é fundamental para o indispensável e urgente tratamento, para a salvaguarda da vida da gestante e do bebê, com fim de evitar aborto, óbito fetal, independentemente do regime em que deve ser ministrado o tratamento, hospitalar, ambulatorial ou domiciliar. 

A negativa de cobertura de tratamento ou medicamento sob o argumento de não estar previsto no rol da ANS é abusiva, bem como é abusiva a negativa de cobertura do tratamento com o uso do medicamento (CLEXANE) sem internação, em ambiente ambulatorial ou domiciliar.

Destarte, não pode ser outra a conclusão, senão a de que é abusiva a negativa de cobertura do tratamento prescrito pelo especialista médico responsável, com uso de Clexane (tratamento de trombofilia e obstetrícia, que são cobertos pelo plano), para gestante portadora de trombofilia, tratamento indispensável para manutenção da gestação e preservação da vida da gestante e do bebê, mesmo que sem internação, em ambiente domiciliar ou ambulatorial, e ainda que não previsto o tratamento no rol da ANS, conforme entendimento consolidado pela Jurisprudência Pátria.

No mais, pelo ato ilícito praticado (a recusa ilegal da cobertura do tratamento médico de que necessita a gestante, quando em risco a própria vida da gestante e do seu bebê), as operadoras de plano de saúde causam às seguradas-beneficiárias graves prejuízos morais, além de sofrimento psicológico, aflição, dor e angústias que extrapolam o limite do mero aborrecimento, de onde emerge o dever de indenizar as beneficiárias gestantes, nos moldes do art. 927 do Código Civil e do art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal, devendo a condenação por danos morais ser fixada em valor capaz de alcançar os seus objetivos, quais sejam: reprimir a ação lesiva e garantir reparação justa à beneficiária.

Por fim, deve ser pleiteada a a antecipação dos efeitos da tutela em ação judicial para compelir as operadoras de plano de saúde a autorizarem de  imediato o tratamento de que necessitam as beneficiárias gestantes de alto risco, com o uso de medicamento Clexane, conforme prescrito pelo especialista médico assistente, seja em ambiente ambulatorial ou domiciliar.