30 de outubro de 2014

Polêmica da suposta criação de Conselhos Populares pelo Decreto n. 8243/2014

 “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente
CF/88, art. 1º, Parágrafo único.

Após uma análise superficial do Decreto 8243/2014, entendo que o Decreto não aparenta possuir vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade.

A Política Nacional de Participação Social-PNPS, instituída pelo Decreto em análise, demonstra ser uma forma programática de promover a participação social direta nas políticas públicas, através de conselhos permanentes, comissões temáticas, conferências, ouvidorias públicas, mesas de diálogo, fóruns interconselhos, audiências e consultas públicas e ainda ambiente virtual de participação social, com objetivo de permitir à Presidência uma rápida identificação dos problemas sociais (ouvindo diretamente a sociedade), possibilitando um maior grau de acerto nas tomadas de decisões por parte do governo.

O Decreto institui um sistema de participação chefiado pelo Secretário-Geral da Presidência, o que, de certa forma, leva camadas da população (oposição, mídia etc) a crer que existe certo grau de parcialidade (pró-Executivo, pró-governo, pró-PT) na eventual consulta ou deliberação dos Conselhos (o que realmente pode haver se o objetivo for desvirtuado, mas tanto em governos do PT quanto PSDB etc).

Mas é preciso frisar que o Secretário-Geral possui atribuição legal (definida em Lei editada pelo Congresso Nacional) de auxiliar o Presidente da República no relacionamento e articulação com as entidades da sociedade civil e na criação e implementação de instrumentos de consulta e participação popular de interesse do Poder Executivo (art. 3º, I, da Lei 10683/2003).

Ressalte-se que o Decreto em exame, que institui a PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social-SNPS, não cria conselhos populares, pois eles já existem (Conselho Nacional de Educação, por ex.), o Decreto apenas regulamenta e sistematiza os que já existem e os que forem criados, apontando diretrizes, definições e objetivos para concretização da participação popular.

Ademais, vale esclarecer que a participação popular direta, nos moldes da PNPS não se manifestaria só através de Conselhos, mas através de consultas públicas, audiências e até em ambiente virtual, o que aparenta ser um avanço democrático no âmbito do Executivo, como já ocorreu com o Poder Judiciário.

No âmbito do Poder Judiciário, houve, nos últimos anos, uma maior abertura à participação da sociedade nas decisões do Supremo Tribunal Federal, com a realização de audiências públicas e a participação de entidades da sociedade na qualidade de “amicus curiae” (Amigo da Corte) - como nos casos de Aborto de Anencéfalo e do uso de células tronco embrionárias -, sob influência do pensamento de Peter Häberle que “não só defende a existência de instrumentos de defesa da minoria, como também propõe uma abertura hermenêutica que possibilite a esta minoria o oferecimento de 'alternativas' para a interpretação constitucional”[1].

Desse modo, entendo que, com o objetivo de facilitar o diálogo do Executivo com a sociedade, a PNPS e a regulamentação dos Conselhos Populares e demais mecanismos de participação previstos devem ser analisados com bastante atenção, pois entendo que assim como ocorreu no âmbito do Judiciário, a participação direta da sociedade no âmbito do Executivo pode representar influência do pensamento de Peter Häberle e aparenta ser um modelo de avanço democrático, se for utilizado adequadamente (a presunção é de boa-fé).

Assim, salvo melhor juízo, penso que, dada a relevância do tema (participação social), o conteúdo do Decreto deve ser melhor estudado e aperfeiçoado. Penso ainda que os motivos que levaram os Parlamentares a rejeitar o Decreto têm natureza política e formal, não levam em consideração o conteúdo do Decreto, mas sim o risco de perda de poder e influência, além do risco de enfraquecimento de uma instituição já desgastada (Congresso Nacional). Por fim, é claro, penso que a rejeição é também movida pelo interesse político da oposição de “impor derrotas ao governo”, independentemente do interesse da Nação.

1) Qual o objetivo do Decreto?
a) o decreto institui a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS; b) tem por objetivo fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil (art. 1º); c) regulamenta os conselhos existentes e aponta diretrizes para promover a participação da população diretamente no monitoramento, acompanhamento, avaliação e elaboração de políticas públicas; d) o decreto tem caráter programático, de incentivo à participação popular.

2) O que ele institui?
a) traz definições de consulta pública, audiência pública, conselho de políticas públicas etc. (art. 2º); b) traça diretrizes da PNPS como o direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas (art. 3º); c) traça objetivos como promover e consolidar a adoção de mecanismos de participação social nas políticas e programas de governo federal (art. 4º); d) reconhece até o ambiente virtual de participação social como instância de diálogo entre a administração pública federal e sociedade civil (art. 6º).

3) O Decreto cria conselhos?
a) O Decreto não cria conselhos, mas propõe diretrizes, nomenclaturas, definições, para criação de novos (pois já existem conselhos criados) (art. 10).

4) Os membros do Conselho vão receber dinheiro público?
a) a participação dos membros do conselho não é remunerada (art. 10, §1º).

5) Qual o papel do Secretario-Geral da Presidência nos Conselhos?
a) o decreto atribui ao Secretario Geral da Presidência o papel de coordenador do Sistema Nacional de Participação Social e o papel de estimular, acompanhar, realizar estudos, realizar audiências públicas etc, nos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta  (arts. 7º e 8º).

6) Qual o fundamento legal para a participação do Secretario-Geral nos Conselhos?
a) o papel do Secretario Geral encontra fundamento no art. 3º, I, da Lei 10683/2003: Art. 3o À Secretaria-Geral da Presidência da República compete assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições, especialmente: (Redação dada pela Lei nº 11.204, de 2005) I - no relacionamento e articulação com as entidades da sociedade civil e na criação e implementação de instrumentos de consulta e participação popular de interesse do Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 11.204, de 2005).

7) O Decreto obriga os órgãos da Administração a instituírem Conselhos Populares?
a)  O decreto tem caráter programático, de incentivo, não obriga nenhum órgão a criar conselhos, na minha interpretação (Leia você mesmo o Decreto e tire sua conclusão).

8) O Decreto enfraquece o Poder Legislativo?
a) Se por um lado, a participação popular direta tende a aumentar, aumentando transparência, informação, monitoramento, avaliação etc., por outro lado, existe sim risco de enfraquecimento do Poder Legislativo, que é composto por parlamentares eleitos para representação popular “indireta”, pois eles perdem poder e força.

9) Por que os Parlamentares, e boa parte da mídia e da população são contra[2]?
a) Dizem que “na prática”, o Decreto obrigaria órgãos e entidades da administração pública a criar conselhos. MINHA OPINIÃO: não há nada expresso ou implícito no Decreto sobre obrigar órgãos e entidades, e se houvesse tal previsão, seria inconstitucional;
b) Dizem que “na prática”, os ministérios e órgãos seriam obrigados a realizar conferências, audiências públicas ou promover diálogo com a sociedade, o que poderia engessar mais o governo. MINHA OPINIÃO: não serão obrigados a criar, mas de qualquer forma, o risco de engessar o governo não é motivo para deixar de promover diálogo com a sociedade, pois a Administração e o próprio Congresso devem analisar os casos em que há necessidade ou não de criar Conselhos ou outro mecanismo de participação, como já acontece hoje. O Decreto apenas institui política de interesse de promover maior participação.
c) Dizem (Carlos Velloso, ex-STF) que “haveria risco” de de enfraquecimento do Poder Legislativo como fórum de representação da sociedade e de discussão de grandes temas”.  sem querer discordar do ilustre ex-ministro, afirmo que faz muito tempo que a população afirma que o Congresso não vem cumprindo o seu papel como fórum de representação da sociedade, já deu para perceber, principalmente após as manifestações de Junho, e o Decreto institui um bônus de fortalecer a tão reclamada participação popular, permitindo que a população se manifeste através de consultas, audiências públicas etc.
d) Dizem que os conselhos não seriam populares, porque seriam nomeados pelos governantes. MINHA OPINIAO: o Decreto prevê participação da sociedade civil e não discrimina (pode ser formado por petistas ou psdbistas, por ex.), dizer que são nomeados pelos governantes não quer dizer nada, mas, ao mesmo tempo, pode haver certo risco de os conselhos serem pró-governo, valendo frisar que o Decreto prevê como Política de Participação Social também outras formas e mecanismos de diálogo do Poder Público com a Sociedade, e não apenas os Conselhos.
e) Para os Parlamentares, o problema é a preponderância do papel do Secretário-Geral da Presidência, o risco de os conselhos serem compostos por representantes do PT (ou seja, só seriam favoráveis ao governo) e o fato de que o governo “Impõe, via decreto presidencial, um modelo de consulta à população que é definido pelo Poder Executivo. É uma forma autocrática, autoritária, passando por cima do Parlamento, do Congresso Nacional, da Casa do Povo, de estabelecer mecanismos de ouvir a sociedade” (Dep. Mendonça Filho). MINHA OPINIÃO:  por um lado, é relevante a preocupação, mas, ao mesmo tempo, entendo que a preponderância do papel do Secretario-geral tem a ver com a própria natureza dos mecanismos de participação social propostos, o Decreto visa melhorar e permitir à Presidência uma rápida identificação dos problemas sociais (ouvindo diretamente a sociedade) e um maior grau de acerto nas tomadas de decisões por parte do governo, o que não impede que o Legislativo crie por meio de Lei um outro modelo, o que não dá é para ficar sem modelo nenhum devido à inércia do Legislativo.