1.
No julgamento do MS 22503 (DJ 06.06.1997), o Supremo Tribunal Federal
posicionou-se majoritariamente (somente o min. Marco Aurélio votou em
contrário) no sentido de que a rejeição
de emenda substitutiva (texto de comissão especial) não impede a votação do
texto inicial de proposta de emenda constitucional ou de emendas aglutinativas
ao texto da proposta inicial, na mesma sessão legislativa.
2. Conforme a decisão do STF, não importa se o texto inicial ou aglutinativo contém matérias idênticas ao texto substitutivo, pois as emendas substitutivas e aglutinativas são questões incidentes, acessórias, instrumentais, discutidas no bojo de uma única e mesma proposta de emenda constitucional e fazem parte de um único processo legislativo, que permitiria incidentalmente rediscutir a matéria de emenda substitutiva rejeitada, na mesma sessão legislativa, mesmo quando idênticas as questões.
3. Segundo a decisão do STF, o processo legislativo não se encerra com a rejeição de emenda substitutiva, e pode o texto da proposta inicial ou da emenda aglutinativa ser analisado na mesma sessão legislativa em que rejeitada emenda substitutiva, mesmo se possuir pontos em comum com a aludida emenda substitutiva rejeitada.
4. Segundo o STF, o art. 60, § 5º da Constituição Federal (“A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”) dispõe que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada (proposta inicial, originária, emenda propriamente dita, não o texto substitutivo) não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa, contudo, a CF não impede que a proposta de emenda já apresentada (texto inicial, originário) e as respectivas emendas acessórias, instrumentais, incidentes (aglutinativas supressivas, aditivas, modificativas etc), apresentadas ao texto inicial, sejam discutidas na mesma sessão legislativa em que rejeitada emenda substitutiva.
5.
Assentou o STF, ainda, que a proibição
da CF se refere à matéria constante de “proposta de emenda” e não à matéria
constante de substitutivo. Assim, as “emendas” substitutivas,
modificativas, aglutinativas, aditivas etc, não se confundem com as “propostas
de emenda”, pois são em verdade incidentes, acessórios decorrentes do texto
principal e não se confundem com "proposta de emenda” (proposição inicial,
originária).
6.
Nesse sentido, os Ministros do STF (à exceção do min. Marco Aurélio), incluindo
o Min. Celso de Mello (que ainda compõe o STF), entenderam que "se
somente o substitutivo foi rejeitado, nada pode impedir que o projeto
originário de emenda, isto é, a proposta inicial de emenda, seja votada,
inclusive mediante aglutinação de outras emendas".
7.
Na mesma ordem de idéias, extrai-se do voto do Ministro Celso de Mello que “a mera
repulsa do substitutivo não pode ser equiparada à rejeição da emenda” e
que a emenda aglutinativa é simples manifestação incidental, essencialmente dependente da proposição principal (que não
foi rejeitada) e que não importa em oferecimento de "nova proposta"
de emenda.
8.
No julgamento do mencionado MS 22503, a parte impetrante alegou que houve
identidade de matérias, pois a emenda aglutinativa aprovada seria resultado da
fusão do texto da proposição inicial com o texto da rejeitada emenda substitutiva
(apresentada pela comissão especial) e ainda asseverou que houve ardil e
tentativa de burlar a Constituição Federal.
9. Nada obstante, entendeu o STF que não seria razoável investigar coincidências de conteúdo entre o substitutivo rejeitado, seja com a proposta original, seja com a emenda aglutinativa, pois a admissão dessa linha de raciocínio levaria à total inviabilidade do processo legislativo, uma vez que sempre haveria no substitutivo numerosas coincidências com o projeto inicial. Ademais, a interpretação do STF permite que questões pontuais de discórdia sejam superadas para viabilizar a formação da maioria exigida, o que faria parte do processo democrático.
10.
À luz do sufragado entendimento do STF, entendemos que não seria vedada a votação e aprovação de emenda aglutinativa (que
resulta da fusão de outras emendas ou da fusão das emendas e a proposta
originária) de proposta tendente a reduzir a maioridade penal na mesma sessão
legislativa em que rejeitada emenda substitutiva de proposta tendente a reduzir a maioridade penal, pelas razões que
passo a expor.
11.
No caso em questão, a proposta de emenda
constitucional n. 171/93, que tramita em conjunto com outras propostas apensadas,
que tratam de matéria idêntica ou semelhante sobre a redução da maioridade
penal, prevê em seu texto originário
a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para todos os crimes.
12. Ocorre
que Comissão Especial da Câmara dos Deputados elaborou emenda substitutiva (que
altera o texto original da proposta de emenda e tem preferência de votação
sobre a proposta inicial), no sentido de reduzir
a maioridade de 18 para 16 anos para crimes hediondos e equiparados (tortura,
tráfico de entorpecentes e terrorismo), de homicídio doloso, de lesão corporal
grave ou lesão corporal seguida de morte e de roubo agravado.
13.
Referida emenda substitutiva foi
rejeitada pela Câmara dos Deputados, situação esta que não impede a votação do texto inicial da proposta de emenda e suas
respectivas emendas acessórias (aglutinativas, modificativas etc), na mesma
sessão legislativa, pois a proposta de emenda original não foi rejeitada, conforme
entendimento do STF e disciplina do Regimento Interno da Câmara, que dispõe:
Art.
191. Além das regras contidas nos arts. 159 e 163, serão obedecidas ainda na
votação as seguintes normas de
precedência ou preferência e prejudicialidade:
I
- a proposta de emenda à Constituição tem preferência na votação em relação às
proposições em tramitação ordinária;
II
- o substitutivo de Comissão tem
preferência na votação sobre o projeto;
III
- votar-se-á em primeiro lugar o
substitutivo de Comissão; havendo mais de um, a preferência será regulada
pela ordem inversa de sua apresentação;
IV
- aprovado o substitutivo, ficam prejudicados o projeto e as emendas a este
oferecidas, ressalvadas as emendas ao substitutivo e todos os destaques;
V
- na hipótese de rejeição do
substitutivo, ou na votação de projeto sem substitutivo, a proposição inicial será votada por
último, depois das emendas que lhe tenham sido apresentadas; (...)
VIII
- dentre as emendas de cada grupo,
oferecidas respectivamente ao substitutivo ou à proposição original, e as
emendas destacadas, serão votadas, pela ordem, as supressivas, as
aglutinativas, as substitutivas, as modificativas e, finalmente, as aditivas;
14.
Nesse sentido, foi oferecida emenda aglutinativa n. 16 (resultante da fusão,
aglutinação da proposta inicial, da emenda substitutiva rejeitada e de outras
propostas de emenda que tramitam em conjunto, apensadas), com conteúdo mais
restritivo do que a PEC 171/93 e do que a emenda substitutiva rejeitada, no
sentido de reduzir a maioridade penal de
18 para 16 anos para os crimes hediondos, homicídio doloso e de lesão corporal
seguida de morte.
15.
Em relação à emenda substitutiva rejeitada, a emenda aglutinativa, ao tratar da
matéria de redução da maioridade penal, excluiu
os crimes equiparados a hediondos (tortura, tráfico de entorpecentes e
terrorismo), os crimes de lesão corporal grave e de roubo agravado. E,
nesse sentido, a referida emenda aglutinativa foi votada e aprovada em primeiro
turno, no dia seguinte à rejeição da emenda substitutiva, portanto, na mesma
sessão legislativa.
16. Apesar de determinados
setores da sociedade, parlamentares e alguns juristas entenderem que houve
transgressão à norma constitucional, a partir de uma interpretação literal e
estrita do art. 60, § 5º da CF, vislumbramos que à luz da jurisprudência do STF não
há vício ou transgressão. Explico.
17. Na hipótese em comento, foi rejeitada emenda substitutiva
(texto elaborado por comissão especial, texto acessório, incidental,
instrumental, mais restrito e que não se confunde com a proposta de emenda
original, inicial, conforme entendimento sufragado pelo STF); a rejeição do
substitutivo não impede a votação do
texto original da proposta de emenda (que não foi rejeitado) nem de emendas
aglutinativas, na mesma sessão legislativa, conforme decisão do STF; e a emenda aglutinativa, que é texto
acessório, incidental, que resulta da aglutinação do texto inicial, da emenda
substitutiva e de outras propostas apensadas, deve ser votada com precedência
sobre a proposta de emenda original e pode
ser votada na mesma sessão legislativa em que foi rejeitada a emenda
substitutiva, conforme entendimento do STF.
18. No que se refere às
alegações de que a emenda aglutinativa material ou substancialmente é idêntica
à emenda substitutiva rejeitada e que, portanto, não poderia ser novamente
submetida à votação e aprovação, e que a votação seria uma burla à CF, ousamos
discordar, pois, no caso em questão, a
emenda aglutinativa possui pontos em comum, mas não é idêntica à emenda
substitutiva rejeitada, não há identidade absoluta.
19. Além disso, o STF, no
julgamento do MS 22503, entendeu que o
texto aglutinativo pode ser analisado na mesma sessão legislativa mesmo se
possuir pontos em comum, idênticos ou coincidentes com a aludida emenda
substitutiva rejeitada; e ainda reconheceu que seria inviável investigar coincidências de conteúdo entre o substitutivo
rejeitado, seja com a proposta original, seja com a emenda aglutinativa, pois a
admissão desse entendimento levaria à total inviabilidade do processo
legislativo, tendo em vista que, diante da própria natureza da emenda
aglutinativa, sempre haveria numerosas
coincidências com a emenda substitutiva.
20. Em reforço ao
entendimento acima expendido, e em resposta à alegação de que o julgamento do
STF no MS 22503 é caso antigo e superado, destacamos
recente decisão do STF (DJ 19.06.2015), de lavra da Ministra Rosa Weber, que,
em caso análogo (aprovação de emenda aglutinativa submetida a votação no dia
seguinte à rejeição de outra emenda aglutinativa), nos autos do MS 33630, indeferiu
pedido liminar de suspensão de tramitação da proposta de emenda constitucional.
21. No caso do MS 33630, análogo
ao caso sub examine, a Eminente Ministra
Rosa Weber afirmou que os impetrantes abordam a questão sob uma perspectiva
estática, sustentando a
inconstitucionalidade a partir da comparação literal entre duas proposições
normativas, nos seguintes termos:
“Observo
que os impetrantes abordam a
inconstitucionalidade sob perspectiva estática. Propõem, em outras
palavras, que se reconheça violado o art. 60, § 5º, da Constituição da
República a partir do cotejo literal
entre duas proposições normativas. Comparando os textos propostos, concluem que a primeira Emenda
Aglutinativa, uma vez rejeitada, impediria a votação da segunda, porque
contido, na primeira, todo o seu conteúdo.
Parece-me,
todavia, em juízo perfunctório, que o
problema não se limita a esse prisma estático de abordagem, que o extrai de
seu contexto natural, qual seja, o do processo legislativo em que inserida a
controvérsia. Em um primeiro olhar, não
se trata meramente de cotejar dois textos apartados de seus contextos e
momentos de produção, mas de aferir se a autoridade dita coatora incidiu ou não
em violação do devido processo legislativo. Processo
envolve concatenação de atos no tempo. Devido processo, a correta concatenação
desses atos. É isso que se perquire no presente mandado de segurança.”
22. Citando o precedente do STF no MS
22503, a Eminente Ministra afirmou:
“A perspectiva estática do problema retira
da presente discussão seu elemento essencial, apesar de nele, a rigor,
estar fundado o direito alegado. Tomar o
problema pela perspectiva dinâmica do processo legislativo encontra amparo no
precedente desta Suprema Corte que guarda maior aproximação com o presente caso.
Trata-se do MS nº 22.503/DF, Pleno, Redator para acórdão Ministro Maurício
Corrêa, DJ de 06.6.1997. (...)
Ainda nas
palavras do então Presidente desta Suprema Corte, Ministro Sepúlveda Pertence: o processo legislativo está imbuído da
intenção de se chegar ao melhor resultado legislativo dentro daquilo que se
mostrar objeto de consenso parlamentar, no curso das votações. Às vezes, um único tópico é suficiente para
provocar a rejeição inicial do todo. Opção contrária à democracia, conforme
manifesta o precedente, estaria consubstanciada na supressão da possibilidade
de análise das partes menores a partir da retirada do ponto problemático, e não
o contrário.”
23. Como
no caso em apreço, a Ministra Rosa Weber, ancorada no precedente do
STF (MS 22503), entendeu que os dois textos de emenda aglutinativa sob análise possuíam objeto similar, sem inovar, em sentido
próprio, em conteúdo (como no caso em apreço); que resultavam de fusão, mas não guardavam identidade absoluta (como
no caso em apreço); que houve rearranjo,
porque reduzido o âmbito de aglutinação (como no caso em apreço); e concluiu
pela visão dinâmica do processo
legislativo asseverando:
Embora
acertem os impetrantes quando afirmam que as duas Emendas Aglutinativas em
questão fundiram elementos das mesmas duas proposições originais (Substitutivo
do Relator e Emenda 5/15), a visão
dinâmica do processo legislativo, em oposição à perspectiva estática da
comparação simples de dois textos, concede amparo, em juízo de delibação, à
votação de propostas em ordem de generalidade, da maior para a menor,
demonstrada a ausência de identidade absoluta entre elas.
24.
Ante o exposto, não pode ser outra a conclusão, senão a de que, à luz do
precedente do STF, no julgamento do MS 22503 (DJ 06.06.97), cujo entendimento
foi reiterado pela recente decisão da Ministra Rosa Weber, no MS 33630 (DJ
19.06.2015), vislumbro que inexiste na
espécie violação ao Art. 60, §5º, da CF e reputo legítima a aprovação da emenda
aglutinativa, que trata da redução da maioridade penal (PEC 171/93), após
rejeição de emenda substitutiva na mesma sessão legislativa.
25.
Anoto, ademais, que a postura adotada pela Câmara dos Deputados, de submeter a
votação de emendas aglutinativas logo após a rejeição de alguma emenda
substitutiva ou de outra emenda aglutinativa (art. 191 do Regimento Interno), demonstra ser fruto do conhecimento ou da adoção da interpretação conferida
pelo STF ao art. 60, § 5º da CF, razão pela qual não haveria que se falar em “manobra” ou “pedalada regimental”, como
veiculado pela imprensa, visto que se trataria em verdade de devido processo legislativo.
26. Destaque-se,
ainda, que a PEC precisa ser aprovada em mais um turno na Câmara e mais
dois turnos no Senado e, inobstante o entendimento já firmado pelo STF, no
julgamento do MS 22503 e na decisão da Ministra Rosa Weber (MS 33630), o Tribunal
está com nova composição e pode no futuro conferir uma interpretação mais
restritiva ao art. 60, § 5º da CF, apesar de o Min. Celso de Mello (no MS
22503) e a Min. Rosa Weber (MS 33630) já haverem decidido com base no
entendimento antigo.
27. Nessa ordem de idéias, o STF poderia acolher a tese vencida do ministro Marco
Aurélio, apresentada no julgamento do MS 22503, no sentido de que a proibição
da CF se refere não apenas à reapresentação de propostas, mas em verdade à
impossibilidade de ser apreciada "matéria", seja a que título for
(emenda substitutiva, aglutinativa, inicial etc), constante de emenda rejeitada
ou havida por prejudicada na mesma sessão legislativa.
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